4 de out. de 2007

Somos mendigos?

De

Juliano Moreno


Por esses dias em busca de uma comédia na tv, para aliviar a alma, passeando entre os canais, ouvi um deputado oferecendo ajuda aos artistas mato-grossenses, eu ri pouco, meu riso não foi espontâneo, gargalhada no ar, foi um riso nervoso e irritado de quem constata o pior.São delicadas as relações entre os artistas e o Estado.Uma hora são perseguidos, outra são louvados, desprezados várias vezes, mas de todas essas situações a pior é a de ser ajudado.

Quando os agentes do Estado, começam a falar irresponsavelmente das políticas públicas de cultura como "ajuda", além de demonstrar o seu total desconhecimento do assunto, revelam-se como aqueles que acreditam que o papel do Estado não é garantir direitos para todos através das ações governamentais, mas criar laços de dependência entre o político que "ajuda" do seu gabinete e os miseráveis e coitados artistas, mendigos, que são ajudados.

Se essa lógica clientelista, patrimonialista fosse de apenas um agente do Estado, um único deputado, um simples dar de ombros ignorando o ignorante seria suficiente, no entanto, essa vontade profunda de "ajudar" tem composto a estratégia de relação do Estado com os "pobrezinhos" dos artistas, que na sua vontade de fazer e proporcionar a mais rica experiência cultural possível a população mato-grossense acabam penhorando suas almas, se sentindo obrigados a esses rascunhos de coronelismo, infelizmente não tão estranhos a esta cidade.

As leis voltadas para o financiamento cultural surgem com o objetivo de garantir a existência e continuidade da experiência cultural, garantir a possibilidade de qualquer cidadão elaborar sua experiência com a linguagem e compartilhá-la com outros.São normas criadas como instrumento para materializar o que dispõe a constituição federal no seu Art. 215:

O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Ao invés de se preocupar em melhorar a "esmolinha" dos artistas a Assembléia Legislativa tinha que aprovar o projeto lei 230/2005,baseado em proposta construída na 1ª Conferência Estadual de Cultura, que propõe o conselho de culturatripartite e a divisão de 45% da verba do Fundo de Cultura Estadual entre os Fundos de Cultura Municipais, e garante que 45% sejam utilizados para financiamento de projetos apresentados pela sociedade e apenas 10% sejam de uso restrito para ações e programas da Secretária Estadual de Cultura.Essa atitude contribuiria para constituição de um Sistema Estadual de Cultura o que nos colocaria no compasso das estratégias do Ministério da Cultura para formação do Sistema Nacional de Cultura, distribuiria melhor os recursos do Fundo Estadual de Cultura melhorando também a condição de trabalho dos profissionais da cultura , melhor se adequando ao que impõe o inciso 3º do mesmo artigo constitucional:

A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I - defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II - produção, promoção e difusão de bens culturais; III - formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV - democratização do acesso aos bens de cultura; V - valorização da diversidade étnica e regional.

Infelizmente a forma como foi conduzida a política cultural em Mato-Grosso, como uma agência de produção cultural do governo, só podia levar a idéia de sua extinção, porque nessa perspectiva ela se nega a cumprir seu papel de garantir direitos. O pior é que essa forma de condução levou aos políticos crerem que tudo se reduz a eventos que geram publicidade ao governo e atraem turismo. Este engano é tão forte que ninguém teme falar da possibilidade de tirar de dentro das pirâmides do Egito a falecida Funcetur, apelidada de secretaria de esporte, turismo e cultura, também gentilmente conhecida pelo belo nome de SESTU RCULT.

Os gestores ao invés de ficarem tentando afastar a questão cultural do Palácio Paiaguás deviam se concentrar em estruturar melhor o que existe através da realização de concursos públicos e a criação de novos equipamentos culturais estruturados em rede por todos municípios mato-grossenses, um circuito cultural capaz de oferecer melhores oportunidades da população fruir a experiência cultura produzida aqui, aumentando também as oportunidades de trabalho para os artistas.

Para impedir que a cultura em Mato-grosso se transforme numa paródia ruim de programas de auditório tipo "Quem quer mais dinheiro?" é necessário abandonar o hábito miserável de negociar migalhas com as calças frouxas e sem cinto. O movimento cultural tem que se reorganizar sobre o esqueleto da 1º Conferência de Cultura, na direção de uma democracia cultural superando os resquícios tolos de corporativismo e narcisismo, 2007 é um ano extraordinário em provar que o buraco é sempre mais embaixo. Temos que parar de cavar esse fosso, sair da caverna das sombras e encontrar ar puro.

Juliano Moreno é bacharel em direito; professor universitário, mestre em história pela UFMT, escritor e produtor cultural do Projeto Palavra Aberta

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