11 de mai. de 2006

O bagulho de Bill


O rapper MV Bill grava clipe do novo CD em Fortaleza. No último sábado, o Vida & Arte acompanhou o o rapper na Comunidade das Quadras, onde foi recebido pela população local e pelo Coordenador Geral da Cufa-CE, Preto Zezé

Bill chega de boné e bermuda camuflada, tipo exército, camiseta verde "Favela 09 - Órfãos do Sistema", chinela de cabresto branca, tranqüilo, de andar arrastado, fazendo um pendulo compassado com os ombros. Um preto de quase 2 metros, braços de marombeiro, tatuado "Jesus é a Justiça", de cavanhaque, voz grossa e nariz achatado. Morador da favela Cidade de Deus, RJ, de nome Alex Pereira Barbosa, de apelido de infância Rato Bill, sob a alcunha hoje de Mensageiro da Verdade. MV Bill Chega ali na Comunidade das Quadras no fim da tarde do sábado para a gravação do seu novo clipe, "O Bagulho é Doido". A música dá nome também ao terceiro cd do rapper, com previsão de lançamento nesse mês de maio ainda. O cd teve as letras escritas durante o período em que foram colhidos os depoimentos para o documentário Falcão - Meninos do Tráfico, exibido em edição especial no Fantástico e a ser lançado em edição para o cinema com cerca de 2 horas de duração no mês de outubro. "Dá pra rodar sem luz", grita o cinegrafista do alto de uma mesa de plástico branca junto à câmera, sobre um tripé, que aponta para uma rua das Quadras. A cena: Frontal enquadrando Bill vindo pela rua em direção à câmera. A medida que ele avança, moradores da comunidade saem das casas e becos o acompanhando. Silêncio! "Cara de sério! Tá todo mundo liso mesmo", um integrante da produção orienta os figurantes arregimentados na hora. As Quadras tem cerca de 440 casas e 4000 habitantes, segundo Ana Raquel e Catarina Érika, que cobrem o evento para o jornal mensal Voz da Quadra. A fonte é o senso de 2002, feito pelas catequistas da comunidade. Raquel, de 15 anos, e Érika, de 17, desenrolam, entre uma cena e outra, uma entrevista com Bill. Érika - franzina, mas segura - se posta ao lado do rapper, que lhe estende uma mão cerca de três vezes maior que a sua.
Bill é hoje um dos principais nomes do movimento hip-hop no Brasil, apesar dele mesmo não gostar de tratar como movimento um espaço de atuação marcado, como tantos outros, por algumas divergências e rumos distintos entre grupos. Mas assume a posição. "Não sei no que me transformei, mas não podemos mais ficar embaixo do edredom. Temos que meter a cara." Discussão de anos no movimento. Para alguns a postura é de distância da grande mídia, principalmente televisiva, e do Estado. Para outros, a de dialogar com essas instâncias de poder, mas com postura firma, sem cair nos erros de outros movimentos cooptados. "Já teve o momento da consciência do gueto. O gueto precisa está informado. Pegamos a informação. Teve outro momento que o hip-hop tinha que conscientizar as pessoas. Já conscientizamos. Agora tem o momento da conquista, e esse passo não tem como ser dado somente através da favela. Precisa dialogar com outras lideranças, com pessoas que estão de fora, com o asfalto, com políticos, porque pra esse terceiro passo é necessário o dinheiro e isso não está na nossa mão infelizmente", fala Bill quando questionado sobre a relação do hip-hop com a mídia depois do espaço no Fantástico. Se em uma ponta vai para a telinha, na outra movimenta a base. Com a Central Única de Favelas, entidade nacional que está organizando ações focadas na área social, afirmando o hip-hop como movimento não só cultural-artístico, mas político principalmente. A gravação do clipe em Fortaleza, faz parte de uma política de descentralização da Cufa, na tentativa de compartilhar experiências e dar visibilidade ao movimento de outros estados fora do eixo. Nesse caso, o Rio, onde a Central nasceu e está bem estruturada. A produção das gravações foi comandada pelo Núcleo de Audiovisual da Cufa Ceará. Núcleo que começou a se organizar este ano, mas já tem projetos ambiciosos como a estruturação de uma produtora e uma escola de audio-visual. A direção do clipe é do Coordenador Geral da Cufa-CE, Preto Zezé em conjunto com Celso Athaíde, empresário do Bill e co-fundador da Cufa. Deu Cardoso, da Cufa-CE, e o carioca Rodrigo Freire auxiliam a direção. Rodrigo, o Felha, cinegrafista do "Falcão", comanda o núcleo de áudio-visual da Cufa no Rio. De lá veio parte da estrutura para a gravação. Cena 8. Bill está deitado em uma cadeira odontológica na Unidade de Saúde Mirian Porto Mota, onde Aldenice Araújo dos Santos é vice-coordenadora. Nice está atrasada para um casamento. Cansada, depois de uma campanha para vacinação anti-rábica em cães. Quase 7 da noite. A mãe liga, já ta pronta para a cerimônia. Nice negocia: "Espera só um pouquinho que a menina disse que tá terminando aqui". Ela adora essas coisas da comunidade. A sala odontológica, nas Quadras, serve de cenário para a cena de laboratório em que cientistas analisam MV Bill. Na música, "Quem faz faculdade, trabalha no escritório, me olha como se eu fosse um rato de laboratório". A letra e a batida pesada, com entradas sombrias, vai com os dois pés nos peitos da hipocrisia da classe rica que "investe no futuro da nação. Compra pó na minha mão, depois me xinga na televisão. Na seqüência vai pra passeata levantar cartaz, chorando e com as mãos sinalizando o símbolo da paz". Além das Quadras, no sábado, a equipe subiu na van e foi bater no Lagamar e Pirambú no domingo. De lá Bill ruma pro aeroporto, volta pro Rio. Estará de volta, ali mesmo nas Quadras, no dia 27 deste mês. Fará show no encerramento da Seletiva Estadual de Basquete de Rua, organizara pelo Núcleo de Esportes da Cufa-CE. É o quinto mês de um ano corrido para Bill. Mais ainda depois dos 58 minutos no Fantástico. De lá pra cá, já foi ter um reservado com o presidente, lançar livro na Daslu, entrevistas e mais entrevistas, mas sem perder, ao que parece, o olho do foco. Transformar a realidade social no Brasil.
SERVIÇO Sita da Cufa-CE: www.cufaceara.org.br/ Telefone: (85)32242597
Para ouvir a música: www.realhiphop.com.br/

TRECHOS DA MÚSICA O Bagulho é Doido - Mv Bill.

Teu pai te dá dinheiro

Você vem e investe

No futuro da nação

Compra pó na minha mão

Depois me xinga na televisão

Na seqüencia vai pra passeata levantar cartaz

Chorando e com as mãos sinalizando o símbolo da paz

Veja que irônia

Que contradição

O rico me odeia e financia minha munição

Que faz faculdade

Trabalha no escritório

Me olha como se eu fosse um rato de laboratório

Me levam pra cadeia

Me transformam em detento

Você vai para uma clínica tomar medicamento

Imagine vocês

Se eu fizesse as leis

O jogo era invertido

Você que era o bandido

Quem sou eu

Eu não sei

Já morri

Já matei

Várias vezes eu rodei

Tive chance e escapei

Fonte: http://www.noolhar.com/opovo/vidaearte/592372.html

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